E aí, você sabia que hoje uns 52 motociclistas vão morrer nas ruas e estradas do Brasil? E que a cada minuto, 46 ficarão permanentemente invalidados?
A história de hoje é exatamente sobre isso.
Manhã gelada no pronto-socorro. Cansado e à procura de um café.
É quando um SIATE encosta nervoso na plataforma de triagem.
Motoqueiro.
Se eu pudesse definir o acidentado de moto padrão, ele teria lá seus 25 anos, seria forte, saudável e com a vida em toda a sua plenitude pela frente. Teria, seria, devia.
Junto com o alvoroço normal dos socorristas percebo um paciente num silêncio que preocupa. Chega imobilizado na tábua, colar cervical, soro no braço, sangue por toda parte. Na correria realizamos o ABCD do trauma, tentando avaliar por que tanto sangue e sem muita dificuldade constato que nosso paciente está em coma.
Foi prensado entre uma Kombi e um Corsinha. Coisa corriqueira. Mania diária dos motoqueiros em inventar uma mão que não existe, por entre os carros. Velocidade exagerada que só faz sucesso mesmo na UTI ou no IML.
Não há tempo para radiografia, encaminhamos logo para o centro cirúrgico. Laparotomia, toracotomia e um monte de nomes complicados na tentativa de parar uma intensa hemorragia. Por quase três horas a equipe da cirurgia ficou debruçada sobre o jovem motociclista. Quando o sangramento foi finalmente contido, uma parada cardiorrespiratória acabou com a alegria momentânea de todos.
Medicamentos, choque… depois de trinta minutos de manobras e massagem cardíaca, um silêncio incômodo invade o centro cirúrgico. Sim. Mais uma vez a brutalidade do trânsito venceu a nossa falsa sensaçãoi de civilidade.
É quando uma família assustada chega ao hospital. Não gosto dessa parte da história.
A notícia da morte transtorna a todos.
Lamento em silêncio enquanto outra ambulância chega:
Motoqueiro.
Tem dias que o nosso trânsito mais parece uma linha de desmontagem. Corro para ajudar, tentando entender em que momento a vida louca perde o respeito pela própria vida.
Sério, preciso muito de um café.